Uma ousada e pertinente mensagem para tempos de pandemia e crise.
A vida do profeta Habacuc (ou Habacuque) é-nos desconhecida, dispomos apenas de dados que apontam para um habitante de Judá contemporâneo ao rei Joaquim (609-598 a.C), fora disso, o que nos resta são apenas algumas pistas que revelam um pouco de sua vida interior, por sinal alarmada e atormentada, porque para ele é evidente a angústia e o fato de que a violência prevalece e agoniza diante do pensamento de que Deus tolera o mal. Seu nome em hebraico חבקוק significa “abraço”, embora alguns estudiosos associem o substantivo à uma planta de jardim. O profeta Daniel lhe dará destaque na profecia sobre a cova dos leões (cf. Dn 14,32-39).
Se os desígnios de Deus pareciam enigmas, Habacuc tem a resposta de antemão. Para ele, o povo é culpado de sua infidelidade e a ação dos caldeus sobre as nações é instrumento da justiça divina, devendo o povo aceitá-lo como fruto de sua culpa: “então o vento virou e passou… É culpado aquele cuja força é seu Deus!” (Hab 1,11). Como gesto peculiar aos antigos profetas, vai também denunciar o pecado de seu povo de afastar-se de Deus e de sua Aliança, elevando forte apelo à conversão para o restabelecimento da paz e prosperidade da terra.
Habacuc chega também a acusar Deus, mesmo reconhecendo seu amor e a proclamação dos profetas em favor da justiça (cf. Hab 1,14). O Senhor é aquele que tanto ama o homem e que não se cansa de esperá-lo. Tudo isso revela a angústia do profeta que, com o desenrolar de sua experiência, decide esperar outro encontro com Deus antes que se desesperar. Como se pode ver, a angústia divina é confundida à do profeta, que também parece revelar o estado espiritual do povo e forte apelo à fé.
Habacuc deseja conhecer duas coisas, Deus e sua própria resposta. Esse profeta, fragilizado diante da onipotência divina, sabe que é um instrumento necessário da redenção. Sem dúvida, a profundidade de sua experiência é ainda maior que sua confiança e fé. O profeta não se enfrenta com sua fé. Enfrenta o próprio Deus. Sentir ao Deus vivente é experimentar bondade, sabedoria e beleza infinita. É uma sensação de júbilo unida à tensão profética, pois o profeta é aquele que pode sofrer, mas também o sujeito que se regozija no Senhor (cf. Hab 3,17-18).
Habacuc exprime uma relação dialogal com o Deus da revelação, em um ambiente de amizade e intimidade, a tal ponto de se sentir à vontade para expor suas queixas, de ouvir e ser ouvido, embora nem sempre atendido, ciente de que Deus sempre triunfa na história dos homens e mulheres (cf. Hab 3). É exatamente nessa certeza que se apoia sua alegria. Ele ousa pedir contas a Deus de sua atuação no mundo, mostrando-se um existencialista religioso, intercessor e desafiante do “silêncio divino”, trazendo-nos esta peculiaridade na doutrina dos profetas, o que poderíamos chamar de “o escândalo de Habacuc”.
É dele a pérola que o próprio Paulo se utilizará em sua doutrina no Novo Testamento, a qual assume como resposta de Deus ao seu antigo e atual questionamento sobre o mal no mundo: “o justo viverá por sua fidelidade” (Hab 2,47), ou seja, Deus pode ter seus paradoxais meios de manifestar sua vitória e soberania na história humana, embora o mal possa parecer prevalecer e que Deus seja condizente com a derrota do povo, com a maldade no mundo. Deus jamais permitiria uma provação se não fosse para nos proporcionar um bem infinitamente maior.
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Bibliografia consultada:
HESCHEL, A. J. Los Profetas. Buenos Aires: Paidos, 1973;
BÍBLIA DE JERUSALÉM, 3ª ed. São Paulo: Paulus, 2004.
BÍBLIA TEB (Tradução Ecumênica da Bíblia). São Paulo: Loyola, 1994.