Introdução ao “Antigo Testamento”

  • A palavra “Testamento” é aqui utilizada no sentido de “documento”;
  • As palavras “antigo” ou “novo” estão com aspas para sinalizar que há apenas um testamento, pois Deus não falha, não precisou de um “novo” no sentido de inutilização ou substituição do “antigo”, mas de complementação de ambos. Os(as) cristãos(ãs), acreditam que os dois testamentos são etapas da mesma revelação, portanto, o “novo” é a continuação do “antigo” e esses termos são empregados apenas por finalidade pedagógica, isto é, para situar o que vem antes e depois da revelação cristã;
  • A frase do Pange lingua, hino eucarístico de São Tomás de Aquino (1225-1274): “Pois o Antigo Testamento deu ao novo seu lugar” revela apenas o espírito da época, a visão que muitos(as) dos(as) cristãos(ãs) medievais tinham acerca dos judeus e a preferência da Igreja pelo Novo Testamento;
  • Vale lembrar que a rejeição ao “Velho Testamento”, também conhecida como “marcionismo”, por ser encabeçada e propagada por Marcião de Sinope (85-150 E.C), conclui que o Deus de Jesus não seria o mesmo da Bíblia hebraica, esse último castigador enquanto o do Novo Testamento misericordioso, ideia que mais tarde foi reconhecida como uma das primeiras heresias já no ano de 144;
  • Hoje também a rejeição aos judeus, antigo e sempre povo de Deus, de sua religião e cultura, pode ser considerada uma espécie de heresia (confira o número 4 da Declaração Nostra Aetate). Portanto, o respeito, a comunicação e a interação são sempre o melhor caminho para uma fiel e rica interpretação da Bíblia;
  • Outro esquema válido para um estudo bíblico (teológico) é a partir da estrutura “tripartida” ou “sintética” da Bíblia, onde no primeiro momento Deus faz uma aliança com os homens e mulheres. Depois, em seu orgulho, o ser humano rompe com esse compromisso. Por fim, em sua infinita bondade, Deus envia seu Filho como maior sinal de renovação dessa Aliança. Veja:

Tese = promessa (A.T)

Antítese = negação da promessa

Síntese = realização da promessa (N.T)

  • Ainda é possível construir um estudo temático, ou seja, partindo de temas centrais que perpassam toda a Bíblia. Uma dica: explorar os “atos de Deus“: criação, santificação, revelação, redenção, justificação. Ou temas centrais: aliança, libertação etc.; aspectos da relação entre Deus e o ser humano: misericórdia, perdão, justiça, paz, bem, amor, verdade… Vários são os caminhos e metodologias. Nós recomendamos um estudo a partir da leitura integral da Sagrada Escritura;
  • A Bíblia começou a ser escrita por volta do ano de 1250 a.C e levou mais de mil anos para ficar pronta, chegando até por volta do ano 100 d.C, período dos últimos escritos de João. Muitos são os livros que não foram aceitos. Os que estão catalogados em nossas bíblias chamam-se “canônicos” (inspirados em primeira instância), e alguns “deuterocanônicos” (aprovados em um segundo momento);
  • A palavra grega κᾰνών (kánon) significa “cana”, “vara” de medir, pois naquela época não existia régua ou trena, usava-se uma vara de cana para tal. Na literatura, inclusive religiosa, a palavra é usada no sentido de “norma”, “medida”, pode ser traduzida por “cânone” ou “cânon”;
  • A palavra grega apocryphon (apócrifo) quer dizer “reservado”, “secreto”, “escondido”, refere-se aqueles livros que estão ausentes no cânone e, portanto, não lidos na assembleia litúrgica, mas que podem ser lidos ou estudados pessoalmente, pois alguns contém elementos controversos e fabulosos, contrariando, dificultando ou mesmo ajudando (sim!) na compreensão dos livros canônicos. Não significa “condenado”, como pensam alguns. “Extracanônico” é um bom termo alternativo;
  • No tempo de Jesus a Bíblia era composta apenas do pentateuco (Gn, Ex, Nm, Lv e Dt), salmos e profetas, às vezes também chamada de Toráh ou simplesmente “Lei”. Os judeus definiram no Concílio de Jâmnia (90 d.C, aproximadamente) os quatro cânones que catalogavam os livros da Bíblia Hebraica: 1) Deveriam ter sido redigidos originalmente em hebraico; 2) Não poderiam contradizer a lei de Moisés; 3) Não poderiam ter sido escritos fora da Terra Santa; e 4) Não poderiam ter sido escritos após o profeta Esdras (séc. IV a.C);
  • Assim, o cânon bíblico hebraico possui 46 livros. O “Novo Testamento” tem 27. Os católicos aceitam todos os livros do “Antigo Testamento” e acrescentam os 27, totalizando, assim, 73 livros. A Bíblia protestante omite 7 livros do Antigo, ficando com apenas 66;
  • Os famosos livros ausentes da Bíblia hebraica e protestante (Tb, Jt, I e II Mac, Sb, Eclo e Br) não foram aceitos pelos judeus porque não obedeciam a seu cânone, mas aceitos pelo cânone católico, que seguiu o esquema da Bíblia grega. Todo o “Novo Testamento” foi rejeitado pelo cânone judaico;
  • Na Reforma Protestante, Lutero, na intenção de ser original, optou pelo cânone judaico, enquanto que os católicos continuaram a salvaguardar o cânone da Bíblia Grega (chamada “Septuaginta” ou tradução dos Setenta), sigla LXX, compilada entre os séculos III e I a.C., já aceita por muitos judeus de língua grega;
  • Então, a Bíblia Hebraica passou a ser chamada de “Tanakh”. Como o hebraico é uma escrita consonantal, vemos nessa palavra as iniciais de:
  • Torah = Lei (תּוֹרָה);
  • Nebiîm ou neviim= Profetas (נביאים);
  • Ketubiîm ou ketuviim = Escritos (כתובים);

PENTATEUCO: do grego penta (cinco) e theukos (estojo), é o estojo que contém os cinco “rolos”, também chamados de Toráh ou Lei. Não deve ser entendido apenas em sentido legislativo, mas antes educativo. Cada um desses cinco livros contém basicamente o mesmo volume. Vejamos a ficha técnica abaixo:

LIVRO

NOME HEBRAICO

SIGNIFICADO

CONTEÚDO

Gênesis

Bereshit

“Em um princípio”

Origens do mundo

Êxodo

Shemôt

“Eis os nomes”

Saída do Egito

Números

Wayyiqra’

“Deus chamou”

Recenseamentos (caps. 1 a 4)

Levítico

Bemidbar

“Deus falou no deserto”

Lei dos sacerdotes da tribo de Levi

Deuteronômio

Debarîm

“Eis as palavras”

Segunda Lei: 17,18

PROFETAS: aceita-se a seguinte divisão:

  • Profetas anteriores e posteriores (Exílio da Babilônia, séc. V a.C);
  • Profetas Maiores (Is, Jr, Ez) e Profetas (12) Menores (Br, Dn, Jl, Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml);
  • A diferença na catalogação dos livros proféticos entre a Bíblia Hebraica e a Grega (LXX) é a seguinte: a Tanakh agrupou os profetas maiores e menores como “profetas posteriores” e o conjunto de Josué-Reis como “profetas anteriores”. Já a Septuaginta, colocou os livros proféticos após os Escritos, associando-lhes Lamentações, Daniel e adicionando (conservando) partes de textos não hebraicos. Na Bíblia latina (Vulgata), Daniel encontra-se como um dos quatro “maiores” e a carta de Jeremias foi acoplada ao livro de Baruc;
  • Em algum lugar você pode encontrar a expressão “profetas escritores”, mas essa ideia é muito contestada, porque nem todos os profetas tinham intenção de escrever. A Bíblia, antes de ser livro, é essencialmente uma experiência de Deus com o ser humano, ela foi antes pregação, experiência de vida. Além disso, hoje se sabe que foram a comunidade ou discípulos dos profetas que tiveram a responsabilidade de transcrever os ensinamentos de seus mestres, o que também ficou conhecido como “pseudepigrafia“, isto é, quando alguém escreve e dedica o livro a alguém;
  • O profeta é antes de tudo, orador e pregador. Ou ainda: servo, testemunha, mensageiro, assistente, confidente do Senhor, guia espiritual;
  • Oráculo: sentença de Deus – “Ditos proféticos” = voz profética em nome de Deus. Nota-se claramente alternâncias pessoais: relatos na primeira pessoa (narração da experiência e vocação do profeta) ou terceira pessoa (acontecimentos ou circunstâncias de sua vida), podendo às vezes esses gêneros literários serem combinados;
  • A linguagem dos profetas, que tinham uma sensibilidade especial de Deus e da realidade humana, muitas vezes se utiliza de símbolos ou oráculos, daí surgiu, inclusive, a linguagem apocalíptica (revelação), não se deve levar ao pé da letra, mas tendo em mente uma teologia, uma mensagem de Deus para seu povo;
  • Temas frequentes: monoteísmo, moral, salvação, felicidade, esperança.

ESCRITOS: Na Tanakh, os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis são catalogados como “profetas anteriores”, que nós também conhecemos como “livros históricos”. Eles trazem em comum as relações de Israel com Deus, sua (in)fidelidade à Aliança, esta última que tem por porta-vozes os profetas;

  • Percebe-se que esta obra foi compilada por homens piedosos, que meditavam constantemente nas ideias do Deuteronômio;
  • Realça o valor para aquele que tem fé, o qual não só aprenderá nela a encontrar a mão de Deus em todos os acontecimentos do mundo, mas também reconhecerá a solicitude exigente de Deus para com seu povo;
  • O aspecto etiológico: cuidado em explicar fatos e situações (motivação histórica);
  • Explanação geográfica de tipo totalmente diverso: Transjordânia, oeste do Jordão, Judá, Benjamim;
  • Apresenta a conquista de toda a Terra Prometida como o resultado de uma ação conjunta das doze tribos sob a chefia de Josué.

Relações entre o Antigo e Novo Testamento

“As relações intertextuais assumem uma densidade extrema nos escritos do Novo Testamento, todo formado de alusões ao Antigo Testamento e de citações explícitas. Os autores do Novo Testamento reconhecem no Antigo um valor de revelação divina. Eles proclamam que esta revelação encontrou sua realização na vida, no ensinamento e sobretudo na morte e ressurreição de Jesus, fonte de perdão e de vida eterna. « Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu… » (1 Co 15,3-5): este é o núcleo central da pregação apostólica (1 Co 15,11)” (Documento “A Interpretação da Bíblia na Igreja”).

  • Escrituras e acontecimentos históricos;
  • Iluminação recíproca;
  • Processo dialético;
  • Interpretações feitas por Jesus;
  • Morte e ressurreição de Jesus: continuidade ou descontinuidade?

No interior do Antigo e do Novo Testamento: tensões e diálogo.

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