O que o leigo espera de um sacerdote

A Igreja Católica no Brasil comemora, sempre ao quarto domingo de agosto, o dia do(a) Catequista e das vocações leigas, ou seja, da missão comum a todos(as) fiéis, chamados a serem sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-16). A palavra leigo vem do grego laikós e quer dizer “povo”. Equivocadamente, o termo é empregado no popular para denotar inexperiência, falta de domínio em determinado assunto, desconhecimento, talvez pela supervalorização que a religião cristã deu à figura de seus clérigos ao longo do tempo, deixando o povo simples à margem da cultura e hierarquia, o que será seriamente repensado no Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Lumen Gentium (sobre a Igreja) e no decreto Apostolicam Actuositatem (sobre o apostolado das leigas e leigos).

Para refletir a temática, gostaria de propor abaixo a leitura de um bonito capítulo do livro “Ser sacerdote hoy” do teólogo alemão Gisbert Greshake, publicado pela editora Sígueme.

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O que o leigo espera de um sacerdote*

 

Muitos sacerdotes são meus amigos; outros constituem para mim um enigma, porque já não sou capaz de saber e discernir por que se fizeram sacerdotes. Poderiam ter sido diretores de empresa, empregados de um banco, secretários financeiros, pequenos comerciantes… Não corresponde a mim emitir um juízo, por que estou seguro de que Deus vê o que eu não vejo. Porém, tenho expectativas (por que tenho experiências). Conheço sacerdotes que se dão a ‘boa vida’: vinho, mulheres, eventos culturais (ou o que se considera como tais), móveis de luxo (…), um esplêndido automóvel, os melhores restaurantes, os vinhos mais caros, muitos cigarros… e transtornos circulatórios.

Conheço sacerdotes que são puros tecnocratas do poder; não do poder espiritual, oh não!, mas do poder administrativo, do poder de organização. Quando os vejo, não posso imaginar que sejam ‘servidores dos fracos e dos aflitos’. “Estão ao serviço” dos senhores da política, da sociedade e da Igreja. Sinto medo da sua frieza glacial (não somente eu).

Conheço sacerdotes cujo ideal, se é que têm algum, consiste em não ser identificados já como tais, em permanecer no anonimato. Algumas vezes fazem isto – há que admiti-lo por razões que me resultam compreensíveis: não querem continuar sendo os ‘senhores curas’, os reverendos e honoráveis sacerdotes. Porém, em particular, fazem também por que têm medo de não estar à altura das esperanças que o povo deposita neles quando os reconhece como sacerdotes.

Conheço sacerdotes que, com palavras ou tacitamente, consideraram a nós, os leigos, como pessoas que não são tão ‘santas’ como eles. Continuam utilizando os leigos de vez em quando como se fossem simples figuras no tabuleiro de xadrez do seu trabalho pastoral. Oponho-me firmemente a isto quando me encontro com tais estratégias. Insulto-os chamando-lhes de ‘clérigos fascistas’. Logo peço perdão a Deus. Porém, é por que há clérigos que se servem de nós, os leigos, como se fossem ‘um material’ em suas mãos. Algumas vezes se assustam quando lhes digo que não posso fazer o que querem de mim, porque tenho família (…). Porém, também conheço sacerdotes a quem posso me dirigir quando tenho vontade de escutar palavras que sejam ditas com naturalidade, sem segundas intenções; quando quero que uns ouvidos que escutem realmente a mim e não estejam escutando sempre a si mesmos. São sacerdotes que não colocaram uma placa na porta da casa paroquial na qual se diga: “Horário de atendimento: de 11 às 12 e de 16 às 17. Pedimos que se atenham a este horário, a não ser em caso de extrema urgência”. 

Conheço sacerdotes que, em meio de uma sociedade opulenta e satisfeita, vivem de modo muito simples; não vestidos de farrapos, mas tão pouco de trajes finos (…). Conheço sacerdotes que em cada sermão não estão pregando unicamente a si mesmos, nem se celebram a si mesmos em cada ato de culto.

Conheço sacerdotes que quando dizem “irmãos e irmãs!” o dizem de verdade e dignos de crédito, por que estão convencidos de coração de ser irmãos de todos. Entretanto, vejo e sinto nos sacerdotes = sobretudo nos do meu próprio país – demasiada acomodação, pouquíssima resistência ou – para não falar em termos do Novo Testamento – pouquíssimos indícios de um novo nascimento. Em muitas casas paroquiais observo uma vida demasiadamente burguesa, muitas barreiras de comodidades construídas como um muro protetor contra as necessidades daqueles para quem tem verdadeiramente que viver. Conheci já algum pároco que, para não perder um interessante programa de televisão, não acudiu um moribundo em seu leito. Torna-se inacreditável, mas não que o incomodassem. Isto aconteceu em plena Igreja da República Federal da Alemanha. A alguns desses senhores lhes viria muito bem passar uns quatro meses na casa de alguns de seus colegas nos bairros miseráveis das grandes cidades – não somente do Terceiro Mundo –, (…) sem água quente nem comodidades domésticas. Essa experiência –vivida só durante alguns meses – bastaria-lhes de momento. E desde logo esse tempo lhes beneficiaria muito mais que três semanas de férias num hotel de luxo na Jamaica. Não estou contando contos, são realidades!

Mas, o pior para mim é que muitos sacerdotes não conhecem a vida real das famílias de suas respectivas comunidades. Quando lhes pedem para que realizem ‘visitas domiciliares’, sentem que lhes estão incomodando, franzem o semblante, começam a fazer gestos negativos. Eu fico furioso logo que escuto sermões nos quais se fala da vida cristã em família ou comentam nosso estilo de vida como leigos. E certos grupos de sacerdotes fariam bem ter algumas reuniões familiares em vez de estar se lamentando constantemente do próprio trabalho (…). Quando me perguntam acerca de minhas experiências e do que espero dos sacerdotes, por que – digo eu – coloco-me furioso e me encho de coragem e desespero, em vez de sentir paz interior e esperança?

Será que ‘meu ideal’ é muito alto? Minha realidade é demasiada alheia à realidade do mundo? Nas aulas de religião de uma pequena localidade da região central de Baden, sendo eu criança, escutei que me inculcavam o seguinte: “Tende em grande estima os sacerdotes! Os sacerdotes são enviados de Deus!”. Não, as coisas já não são desse jeito; assim não voltarão a ser jamais. Porém, como serão as coisas? O que posso esperar realmente?

O primeiro que eu espero o sacerdote é que anuncie a Palavra de Deus, não à sua palavra. A condição para isso é que ele mesmo conheça as Escrituras e que não lhe seja estranha a realidade de minha vida, de nossa vida. Espero do sacerdote que seja modesto e viva com simplicidade; que saiba calar quando outros falem e que continue tendo palavras quando outros emudecem. Espero do sacerdote que ore, que seja profundo e que me faça partícipe de suas profundidades quando eu corro em particular perigo de colocar-me cheio de superficialidade da vida cotidiana. Espero dele que tenha tempo, agora e amanhã, sem espaço determinado no calendário, por que creio que a tarefa mais importante do sacerdote é a de ter tempo para as pessoas, sempre que cheguem e lhe perguntem: “você tem um pouco de tempo para mim?”. É o tempo de Deus! O sacerdote é para mim a garantia do tempo que Deus tem para mim. Espero do sacerdote que leia e faça perguntas; há muitos que já não se fazem perguntas e por isso não podem dar tampouco respostas. Espero do sacerdote que venha ver-me, que venha ver a nossa família; que não fique aguardando que a gente vá vê-lo. Espero muito do sacerdote, talvez espero demasiado.

Sei perfeitamente que muito do que espero tenho que fazê-lo também eu mesmo. Estou disposto a isso. Parece-me especialmente importante que o sacerdote viva pessoalmente suas próprias crenças. Sei que muitos jovens que hoje em dia se sentem inquietos e inseguros buscam credibilidade. A credibilidade é o argumento mais vigoroso. Porém, isto, apesar de todas as diferenças teológicas, aplica-se também a nós, os leigos!

* M. ALBUS. Erwartungeneines Laien an der Prieste: LS 33 (1982) 201-202. Tradução para o português a partir da versão em espanhol extraída da seguinte obra: G. Greshake, Ser sacerdote hoy, Salamanca: Sígueme, 2003, 470-473.

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