As três vindas de Cristo ao mundo

O tempo do Natal é, sem dúvidas, um dos mais belos do ano, tanto na liturgia como na sociedade em geral. É a festa da luz, da alegria, do encontro e, sobretudo, da esperança. É exatamente sobre este último aspecto que iremos nos apropriar para levantar uma reflexão relacionada às três grandes realidades da fé cristã: o advento, a escatologia e o hoje de Deus, já que estaremos nos referindo às diferentes formas de manifestações do Verbo de Deus neste mundo, causa de nossas alegria e esperança.

Em primeiro lugar, é preciso delimitar os termos para não gerar confusão de conceitos. A palavra advento significa, na literatura cristã, espera, expectativa ou vinda. Já nos tempos bíblicos, a visita de um rei à uma cidade ou vila era cercada de um ritual de grande festa, as ruas eram adornadas e iluminadas com folhas de palmeiras, oliveiras, tochas, música, caravanas, basta lembrar do “Domingo de Ramos”. Por isso, não seria diferente com o Filho de Deus no tempo do Advento. Nossas casas, igrejas e repartições ficam iluminadas e adornadas para acolher a luz dos povos (Is 49,6), a realização da promessa do Pai. A esperança da realização dessas promessas caracteriza uma forte dimensão da fé do povo judaico e cristão, é a “hora de Deus”, onde Ele mostra que foi bem sucedido na história.

Quando se fala de “vinda” no mundo bíblico e teológico, podemos estar nos referindo a três grandes visitas de Deus ao mundo. A primeira já mencionamos acima, foi a encarnação do Verbo de Deus no natal (Jo 1,1), concretizada há dois milênios em Belém da Judeia. A segunda vinda, nós não sabemos quando e nem como ocorrerá: “Não vos pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder” (At 1,7), visto que este dia virá inesperadamente como um ladrão à noite (1Ts 5,2). Ou seja, a primeira vinda foi histórica, com data e geografia. Já a segunda, é escatológica, que se sucederá no fim dos tempos. Por fim, a terceira não é bem uma vinda, mas uma permanência, a certeza da presença de Cristo em nosso meio, que também foi uma grande promessa feita ao apóstolos, consequentemente à Igreja, como veremos adiante.

Imagem: Christianity

Os temas da promessa ou Aliança são transversais em toda a Bíblia. No Antigo Testamento já haviam várias, como a da Terra Prometida, da salvação dos povos inimigos, da presença e cuidados de Deus etc., mas havia um juramento divino narrado pela boca dos antigos profetas que gerava mais expectativa, fazendo com que toda jovem de Belém desejasse ser mãe: “uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará ‘Deus Conos­co’” (Is 7,14) e “Mas tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel” (Mq 5,1). Belém era a terra natal de Davi, o segundo rei de Israel, considerado o messias (ungido). Em hebraico escreve-se Bethlehem (בֵּיתלֶחֶם): beyt (casa) e lechem (pão). Jesus chamará a si mesmo de “Pão da Vida eterna” (Jo 6,35), que com seu corpo e sangue selará uma nova e eterna aliança (Mt 26,28), fazendo, assim, cumprirem-se as Escrituras.

Assim também nós, quando menores, estávamos escravizados pelos rudimentos do mundo. Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma Lei, a fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a sua adoção (Gl 4,3-5).

A primeira vinda de Cristo foi simples e discreta, tendo apenas Maria, José, alguns poucos pastores e animais por testemunhas (Lc 2,8) num pobre estábulo da pequena Belém. A segunda, portanto, será triunfal. Ele virá coroado de glória, como juiz dos vivos e dos mortos, para julgar as nações: “Quando o Filho do Homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, se sentará no seu trono glorioso. Todas as nações se reu­nirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25,31-32). É o que professamos no Credo cristão: “E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”; é o que rezamos diariamente em nossas (para)liturgias: “Venha a nós o vosso Reino” (Mt 6,10), “Vinde, Senhor Jesus”.

Em grego, eskatón quer dizer fim, é a reflexão teológica acerca do fim último das coisas, da morte e da finalidade do mundo criado. A escatologia muitas vezes é relacionada a fatores apocalípticos, mas é preciso se atentar que não se trata de morte e catástrofes, mas de uma realidade de esperança e salvação, visto que a vida com Cristo é direcionada para o mundo que há de vir, um novo Céu e uma nova Terra, a Nova Jerusalém, que desce de junto de Deus, a sua morada entre os homens (Ap 21), já que estes Céus e Terra, marcados pela corrupção do pecado e da morte, passarão (Mt 24,35). A segunda vinda de Cristo no fim dos tempos, o encontro com o Senhor nos ares, o qual se referia São Paulo (1Ts 4,17), portanto, aponta para uma realidade transcendental, escatológica, transformada: “Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou [Is 64,4], tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).

Mas entre uma e outra realidade, poderíamos nos perguntar como encontrar o Cristo hoje enquanto o mesmo não retorna, pois não fosse assim, isso poderia soar como abandono à Igreja e ao mundo, uma ilusão ter fé e rezar. Em primeiro lugar, Jesus é tão presente que Ele é também chamado de “Emanuel”, no hebraico Immanuel (עמנואל), “Deus presente”, devido a uma profecia de Isaías confirmada pelo Anjo Gabriel (Is 7,14; Mt 1,23). Ele garantiu que estaria em nosso meio, mesmo que só houvessem dois ou três  invocando seu Nome (Mt 18,20). Todo o Evangelho de Mateus será perpassado por essa certeza, do início (Mt 1,23) até às últimas palavras: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). Portanto, é a certeza do “hoje” de Jesus, Ele está no meio de nós!

Mas será São Lucas que enfatizará a urgência de Deus em salvar o ser humano. Aos pastores: “hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11); aos sábios: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir” (Lc 4,21); a Zaqueu: “desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa” (Lc 19,5), “hoje entrou a salvação nesta casa” (Lc 19,9); a “São Dimas”, o ladrão arrependido: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Portanto, uma vez ressuscitado, Cristo se encontra agora ainda mais poderosamente presente do que naquele tempo remoto na Terra Santa, pois não se encontra mais preso às realidades de tempo e espaço, mas em verdade e espírito (Jo 4,23). Cristo nos declarou mais felizes que os próprios apóstolos: “Felizes aqueles que creem sem ter visto!” (Jo 20,29).

O Catecismo da Igreja Católica aponta quatro formas privilegiadas de comunicar Cristo ao mundo: a palavra de Deus, os sacramentos, a Eucaristia [de um modo especial] e a Igreja. Mas as duas principais formas da manifestação divina são, em resumo:

O mundo: A partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de Deus: como origem e fim do universo.

O homem: Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples matéria», a sua alma só em Deus pode ter origem (Catecismo 32-33).

Como vimos acima, a obra da Criação era, desde a Idade Média, apontada como prova da existência de Deus, reforçada pela escolástica, sobretudo em Agostinho, mas que foi dando lugar para o coração humano. É na vida dos homens e mulheres que reside a prova mais cabal da manifestação divina, na sua disposição em dar a vida pela sua fé, como testemunhas esclarecidas do Evangelho, pois a palavra se fez carne, se fez gente. Temos que urgentemente redescobrir a imagem divina em cada figura humana, pois o ser humano moderno vive extasiado com as descobertas do espaço, mas cada vez mais desconhece a si mesmo, continua um mistério assaltado pela falta de sentido, vai perdendo aqueles mesmos sentimentos que haviam em Cristo (Fl 2,5).

Acho interessante que, aqui no Brasil, temos diante da Santa Sé algumas “regalias” litúrgicas, aprovadas pela Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos após promulgação do novo Missal de Paulo VI. Enquanto que em todas as partes do mundo se responde ao Dominus vobiscum (O Senhor esteja convosco) com et spiritu tuo (e com teu espírito), nós aqui no Brasil constantemente rezamos nossa “tradução” “Ele está no meio de nós”. Sem dúvidas, esta é a única resposta e certeza que Deus nos garante em toda a Bíblia. Nada de respostas racionais satisfatórias, mas apenas “Eu estarei contigo!” (Ex 3,12) ou simplesmente “Eu estarei convosco” (Mt 28,19), por isso exclamou Paulo e todos os cristãos: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8,35).

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