Carlo Acutis e os jovens católicos brasileiros

A primeira vez que ouvi falar do jovem Carlo Acutis (1991-2006) coincidiu com o ano em que fui convocado a compor o conselho vocacional do Instituto Nova Jerusalém, do qual fui membro por quase treze anos. Em um retiro de 2011 com jovens vocacionados, a irmã responsável por este serviço havia refletido sobre a necessidade de atualização do nosso esquema e programa de retiros; então pensamos em algo que falasse mais diretamente ao coração dos jovens de hoje, para que a santidade não continuasse a ser vista como realidade distante. Então, decidimos abordar testemunhos de jovens cristãos contemporâneos. Chegou até minhas mãos um pequeno panfleto que falava sobre Carlo e sua causa de beatificação. De imediato, não dei muita atenção. Minha leitura “dinâmica” desse encarte deu-me a impressão de um jovenzinho “piedoso” demais, eu pensava assim: “tanto santo aí esperando reconhecimento”…

Imagem: Facebook “Carlo Acutis – O Anjo da Juventude”.

Mas o fato é que, desde então, Carlo me perseguia, sobretudo no ano de 2013, movimentado devido aos trabalhos pastorais em torno da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e afins, onde também o mesmo material caía frequentemente em minhas mãos. Nas redes sociais, nos eventos que envolviam jovens, nos grupos e comunidades que visitava… O “Anjo da Juventude” estava presente. Então, neste ano em que se dará sua beatificação, pareceu-me oportuno apontar, agora como teólogo, alguns fatores que me fizeram perceber sua estreita e curiosa relação com a juventude católica brasileira. Desde o ano da exumação de seu corpo (2019) e exposição para veneração dos fiéis em Assis (2020), não pelo simples fato da conservação quase integral de seu corpo, mas pela vivacidade de seu exemplo cristão, nossas redes sociais e ambientes religiosos tem “viralizado” seu nome, ao que tudo indica:

 

  1. Simplicidade de alma. Uma figura jovem com linguagem acessível. Carlo não escrevia livros, não era “teólogo”, apenas gostava de fazer anotações em seus cadernos, reflexões pessoais, divulgações de milagres eucarísticos pela internet. Algo que considero comparável ao espírito do Papa Francisco: pouco discurso e fartura de gestos. Possuía um olhar profundo e sereno, sorriso largo e alegria cativante. Sinceramente, acho até mesmo seu semblante físico e perfil muito familiares aos de nosso povo. Uma das características que faz com que ele seja ligeiramente identificado pelos nossos jovens é essa vida simples: amava soltar pipas, estar em contato com a natureza e com os animais, jogar futebol, brincar com playstation… Nada melhor para evangelizar um jovem que outro jovem!;
  2. Modernidade. Nasceu na década de 90, onde a internet estava ganhando impulso e altamente melhorada. Foi considerado um gênio em computação para a época e idade, amava e se dedicava a esse ramo. Conseguiu alcançar a década de 2000, onde surgia uma geração “completa” e virtualmente conectada. Por isso, dedicou-se à evangelização pela internet e, ao que tudo indica, será declarado patrono da evangelização por esse meio. O próprio Papa Francisco cita seu nome no número 104 da exortação pós-sinodal Christus Vivit como exemplo para os jovens e pela sua boa utilização das novas tecnologias. Um jovem que usava moletom, calça jeans e tênis, o que é algo inovador e inusitado na história dos santos, que até então, conhecíamos de hábito, batina e paramentos litúrgicos. Isso não descarta a santidade mostrada nos santos precedentes, mas tem nos trazido, inevitavelmente, um poder simbólico impactante. Ele sempre estava portando sua inseparável câmera, graças a qual hoje temos inúmeros registros pessoais, talvez seja um dos santos com maior riqueza de detalhes materiais, o que também favorece-nos uma maior proximidade;
  3. Santidade no ordinário da vida. Se estivéssemos em seu convívio, não presenciaríamos a manifestação de “carismas extraordinários” (se bem que para o evangelho nada é mais extraordinário que o amor!), tais como curas prodigiosas, êxtases, exorcismos, bilocações… Carlo simplesmente buscava amar a Deus com suas forças e possibilidades, estar próximo de Deus e dos irmãos. Um emigrante hindu que trabalhava em sua casa, proveniente das Ilhas Maurício, diz que se converteu pelo seu exemplo. Foi catequista e amava ajudar na vida de sua paróquia em Milão e em Assis, onde os pais possuíam uma casa. Ele também amava divulgar os milagres eucarísticos da Igreja, montando uma exposição, fruto de três anos de viagens e estudos. Quando nascido, seus pais não eram católicos engajados, mas seu interesse pessoal e busca por Deus os reaproximaram da Igreja. Na escola, não tinha vergonha de testemunhar sua fé e de falar de Deus para os colegas. É muito comum aqui no Brasil os jovens católicos serem atraídos por um ideal de santidade às vezes “estratosférico”, ou seja, um super cristianismo fabuloso, já o exemplo de Carlo Acutis é um banho de serenidade e sobriedade;
  4. Uma vida pela Igreja e pelo Papa. Quinze anos foram-lhe o suficiente para demonstrar seu amor e projeto de vida. Sendo a leucemia tipo M3 a causa de sua morte, somando-se apenas dois meses entre a descoberta e seu falecimento, ofereceu imediatamente todo aquele sofrimento pela Igreja e pelo Papa (à época Bento XVI). Estava ciente de sua partida iminente, e em vídeo poucos dias antes de sua páscoa definitiva, despediu-se profeticamente dizendo “Estou destinado a morrer”. Pelo testemunho de seus pais, em momento algum manifestou desespero e aceitava sua realidade com serenidade, acreditava que esse seu oferecimento da dor o conduziria diretamente à eternidade, o que desperta ou reforça em nossos jovens o amor pela Igreja e obediência filial ao sucessor de Pedro, ainda que em tempos de crise, onde nossa juventude se depara com tantas crises de valores e ideologias que vão contra os princípios do Evangelho, amplamente disseminados nos meios de comunicação e cultura contemporânea. Para uma pastoral ser autenticamente católica não basta rezar ou se politizar, é a obediência que caracteriza o discípulo de Cristo;
  5. Piedade. Levava uma vida “comum” entre os outros jovens, mas possuía um perfume diferente. Independentemente da vida de estudos, sempre havia espaço em sua agenda para Jesus. Piedade não é o mesmo que “muita religiosidade”, é antes uma atitude filial que nos leva à escuta e obediência de Deus. “A Virgem Maria é a única mulher da minha vida”, dizia. Cultivava uma vida eucarística, onde aos sete anos de idade, recebia a primeira eucaristia através de um pedido pessoal a seu bispo diocesano. Desde então, essa espiritualidade era alimentada com missa diária, adorações, confissões frequentes. “A eucaristia é a minha via expressa para o céu”, acreditava. Gostava de visitar os lugares sagrados e igrejas, para ele, Assis era o melhor lugar do mundo;
  6. Caridade e anonimato. Ouvindo Jesus: “Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direi­ta” (Mt 6,3), Carlo ajudava, sem ninguém saber, aos mendigos, moradores de rua e outros necessitados. Além de comida, chegava a dar os próprios sapatos quando via alguém descalço. Algumas vezes, doava seu próprio jantar. Vindo de família abastada, mas vivia simples entre os demais. Em seu velório, havia tantos pobres na igreja e cemitério que, curiosa, sua mãe foi perguntá-los sobre sua presença, ao que responderam: “Ele é nosso amigo, ele vinha nos visitar”. Muitas vezes, o que falta em nossas pastorais juvenis é uma boa “aula de campo”, uma experiência evangélica prática que nos aproxime dos pobres, idosos, doentes, órfãos e excluídos, isto é, dos “privilegiados” do Evangelho e do Reino, de uma experiência que cause nos jovens impacto, e que nossos encontros não se adequem à mera extensão de uma sala de aula;
  7. Carlo e o Brasil. Faleceu no dia de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro de 2006), padroeira do Brasil, ele nunca esteve em nosso país. Segundo o site Vatican News, na Igreja de Santa Maria Maior, onde seu corpo está abrigado em Assis, há uma religiosa missionária capuchinha brasileira, Irmã Francisca Erineuda Firmino Bento, que é uma das guardiãs do lugar. O milagre que levou à frente a causa de beatificação deste jovem veio nada mais que do solo brasileiro, aprovado em 21 de fevereiro de 2020 pelo Papa Francisco, onde uma criança havia sido curada de anomalias congênitas (pâncreas anular) em Campo Grande/MS. Trata-se de Matheus Viana, que foi alvo do milagre em outubro de 2013, à época com apenas três anos de idade, após tocar numa relíquia de Carlo exposta exatamente na festa de Nossa Senhora Aparecida (12 Out. 2013) na Paróquia de São Sebastião. Em Assis, Irmã Francisca testemunha que a mãe de Carlo, Antonia Salzano, sempre indaga: “Eu não entendo. Carlo nunca foi ao Brasil, mas tem esta ligação muito forte. Ele morreu no dia de Nossa Senhora Aparecida, está numa Paróquia em que o padre é brasileiro, se chama Carlo, tem as Irmãs capuchinhas brasileiras que estão cuidando do Carlo, e o milagre que está sendo avaliado é no Brasil” (Vatican News, 31 Ago. 2019).

Esperamos fervorosamente que o testemunho altruísta deste jovem possa continuar alcançando a vida de muitos outros jovens brasileiros e de todo o mundo, inspirando, sobretudo, aqueles que (ainda) não tem perspectiva ou projeto pessoal de vida. É admirável constatar que, mesmo em tempos difíceis (e esse é o terreno fértil para a santidade!), encontramos Brasil a fora inúmeros exemplos de jovens que dedicam toda sua vida à causa da evangelização, uma igreja de rosto jovem, com muitos outros Carlos. É importante destacar que esse perfil cada vez mais jovem e moderno no rol dos santos, como ocorreu com a jovem Chiara Luce Badano (1971-1990), falecida por um câncer ósseo (osteorssarcoma), beatificada em 2010 pelo Papa Bento XVI, e de tantos outros, também é uma mensagem à Igreja e ao mundo de que o protagonismo juvenil deve ser levado a sério, e que nossos adolescentes não são meros aprendizes da vida, mas construtores de um mundo novo e que vale a pena apostar neles. Que a missão de Carlo seja sempre estímulo para nossa juventude brasileira: “Estar sempre unido a Jesus: eis o meu projeto de vida”.

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