O cristão é, por natureza e vocação, missionário. Dizer-se cristão(ã) e não revolucionar o mundo seria tremenda crise de identidade.
A palavra missão vem do latim missio e quer dizer envio, mandado, encargo. Daí veio a palavra missa, e não o inverso. A missa é uma grande missão, desde quando nos preparamos em casa até a bênção final, que nada mais é que um envio para a construção do Reino de Deus. Basta notar as expressões: “O Senhor esteja convosco”, “A alegria do Senhor seja a vossa força”, “Glorificai o Senhor com a vossa vida”, “Levai a todos a alegria do Senhor ressuscitado”, “Em nome do Senhor”, “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe” (veja as fórmulas do Missal Romano). Ou seja, a pessoa é abençoada para comunicar ao mundo aquela presença real de Jesus que prometeu permanecer presente até a consumação dos séculos (cf. Mt 28), todo sacramento tem sua dimensão missionária/ pastoral.
Quando Jesus afirmou “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles“ (Mt 18,20) equivale a “eu me responsabilizo por vocês”, pois estar em nosso meio indica que Ele quis fazer parte de nosso time, um de nós. Ora, apenas a presença de Deus já é, por excelência, sinal e termo de uma bênção. Mas não basta recebê-la, que é a primeira etapa da vida missionária. É preciso ir por todo o mundo e pregar o evangelho (cf. Mc 16,15). Quando buscamos vivenciar nossa vocação de batizados, acabamos por fomentar uma espiritualidade missionária, o que também podemos chamar de missionariedade, que é a arte de imitar o Mestre. Assim, a vocação missionária vai revelando suas dimensões intra (dentro) e extra (fora), ou seja, a partir do encontro pessoal com Jesus vivo e na comunidade de fé, e além-fronteiras.
Jesus nos deixou uma grande homilia no décimo capítulo do Evangelho de Mateus, o que poderíamos chamar de “cartilha missionária”, teórica e prática, quase uma espécie de “manual de instruções”. Ele escolhe os doze e compartilha com os mesmos sua autoridade. “Poder” para Jesus nunca é sinônimo de autoritarismo ou status social, mas de serviço e partilha. Vemos que o perfil dos escolhidos não é lá essas coisas, a prova cabal da ação misericordiosa de Deus sobre a fragilidade humana. O conteúdo do anúncio não é Jesus em si mesmo, mas o Reino de Deus (Jesus evitava falar de si). Ele lança os discípulos à confiança na providência divina (vv.9-10), torna-lhes portadores da paz (vv. 12-13). Como exímio mestre, põe-lhes em “apuros” (vv. 16-19), mas garante o auxílio do Espírito Santo (v. 20).
Jesus não era um bom marqueteiro. Ele antecipava o que poderia ocorrer por causa de seu nome: rejeição, perseguição, provação e até martírio (vv. 21-23). Quem procura na vida de fé um atalho fácil ou um modo light, deve pensar duas vezes se quer seguir o Caminho cristão ou inventar um cristianismo pessoal. Jesus não veio trazer a paz, mas a “espada” (v. 34) e a “divisão” (v. 35), isto é, provocar uma revolução a partir do coração humano. O cristão autêntico não é popular, não procura aprovação do sistema, vive muitas vezes moralmente inadaptado em sua sociedade. Se é aplaudido, algo está errado, “o discípulo não é mais que o mestre” (v. 24). O sistema é aquele que chamou Jesus de demônio, mas que não devemos temê-lo (v. 25). Nossa postura deve ser, em todo momento, a de clareza, objetividade e compromisso com a verdade (v. 27).
O(a) missionário(a) é aquele(a) que goza da proteção do Senhor: “até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados” (v. 30). É uma testemunha (v. 32), aquele(a) que ama o Senhor acima de todas as coisas e com todas as forças (v. 37) e nada antepõe a esse amor divino, por isso torna-se um outro Cristo: “Quem vos recebe, a mim recebe. E quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (v. 40). Sua dignidade é comparada por Jesus a dos profetas (v. 41), que eram considerados não apenas mensageiros, mas aqueles que tinham intimidade com Deus, e também com justos, que em outras palavras, aqueles que experimentavam a santidade de Deus, uma vez justificado pela graça. Todos sabemos que, como batizados, mergulhados na vida da Trindade, compartilhamos da tríplice missão de Jesus sacerdote, profeta e rei.
É curioso e interessante o fato de Santa Teresinha do Menino Jesus ter sido declarada padroeira mundial das missões pelo Papa Pio IX em 1927, ao lado de São Francisco Xavier, o grande “Gigante do Oriente”. Dos 15 anos, quando ingressou na vida carmelita, até sua morte aos 24, nunca saiu da clausura e, mesmo assim, ofereceu-se a Jesus em prol dos sacerdotes e missionários. Lembra as sábias palavras poéticas de Dom Helder Câmara:
Missão é partir, caminhar, sair de si. É quebrar as crostas do egoísmo que nos fecha no nosso eu! Missão é parar de dar voltas ao redor de nós mesmos como se fôssemos o centro do mundo e da vida. Missão é não deixar se bloquear nos problemas do pequeno mundo a que pertencemos. A Humanidade é maior. Missão é sempre partir, mas não devorar quilômetros. É sobretudo abrir-se aos outros como irmãos, descobri-los e encontrá-los. E se para descobri-los e amá-los é necessário atravessar os mares e voar pelos céus, então, missão é partir até aos confins do mundo!
A própria palavra católica, usada pela primeira vez em Roma no século II por Inácio de Antioquia, quer dizer “universal”, isto já implica missionariedade. Na expressão do Credo, afirma-se acreditar na catolicidade desta Igreja. Isso implica obedecer a vocação de ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13). Por esse motivo, toda vocação ou atividade missionária culmina na salvação da humanidade. A missão parte da Trindade, o Pai cria, o Filho salva e o Espírito santifica; temos aqui o amante, o amado e o amor. Então, a maior missão dos cristãos é serem no mundo uma presença de caridade. Em resumo, a espiritualidade missionária é a do serviço e desse amor oblativo, tendo em vista Aquele que “a si mesmo se aniquilou tomando a forma de servo” (Fl 2,7), ou seja, “a obediência é a virtude peculiar do ministro de Cristo que, pela Sua obediência, redimiu o gênero humano” (Decreto Ad Gentes, 24).