Operação 7210 – Relato de uma viagem à Bélgica

Tudo começou com os trabalhos em torno do lançamento da biografia do Padre Gaëtan (Caetano) Minette de Tillesse, intitulada “Um Monge Missionário” (2016). As atividades foram batizadas de “Operação 7210”, porque esse número remete ao nome de soldado do Padre Caetano na Segunda Guerra Mundial. A partir de então, uma sobrinha-neta do religioso, a belga Julie van Hövell tot Westerflier, natural de Sint-Niklaas,  tomou conhecimento e visitou os trabalhos do tio no Brasil em outubro-novembro de 2018, isso fez com que os planos de visitar a Bélgica se concretizassem mais rapidamente.

Narcélio, Julie e Evaldo na Catedral de Fortaleza (5 nov. 2018). Foto: Narcélio Lima

A viagem ao continente europeu ocorreu no período de 29 de junho a 22 de julho de 2019 com Narcélio Lima, Evaldo Amaro, Lúcia Gomes e Mila Marinho, percorrendo Holanda, Bélgica e França, com concentração especial nesse segundo destino. O objetivo era conhecer e documentar o ambiente em que viveu o fundador do Instituto Nova Jerusalém e da Paróquia e bairro que levam o nome “Cristo Redentor” em Fortaleza, Brasil. Trata-se do padre belga Gaëtan de Tillesse, mais conhecido como “Padre Caetano” (1925-2010). Narcélio é biógrafo do religioso, Evaldo seu filho adotivo, que foi acompanhado de sua esposa Lúcia; Mila ajudava na tradução do francês e inglês.

Evaldo, Lúcia, Mila e Narcélio no Aeroporto de Fortaleza (29 jun. 2019). Foto: Evaldo Amaro

BRUXELAS E REGIÃO FLAMENGA (FLANDRES)

A Bélgica é um dos menores países da Europa, contando com 11,56 milhões de habitantes (2020) e um território de 30.688 km². Só o Estado do Ceará lhe é maior quase cinco vezes (148.886 km²). A parte norte, região da Flandres, fala neerlandês (ou flamengo), uma espécie de “holandês belga” utilizado por 60% da população, porque a região já foi território dominado pela Holanda. A região sul chama-se Valônia, correspondendo a 40% de seus habitantes; o idioma ali é o francês por já ter sido território da França. A região de Bruxelas Central, onde a capital é sediada, adota esses dois idiomas. Uma pequena região fronteiriça com a Alemanha se comunica com o alemão, o que corresponde a apenas 1% de todo o país. Embora o inglês não seja idioma oficial, muitos(as) o adotam como segunda língua.

O Reino da Bélgica se organiza com um primeiro-ministro, que faz o papel de chefe de governo do país, um parlamento nacional e três parlamentos regionais, tendo o rei como o chefe de Estado; o país está entre os fundadores da União Europeia (1957) e é membro permanente do conselho  de segurança da ONU. Sua posição geográfica entre países inimigos em tempos de guerra lhe rendeu o título de “cabine” ou “campo de batalha” da Europa. A visita do casal monarca belga Alberto I e Elisabeth ao Brasil em 1920 foi a primeira de soberanos que nosso país recebeu como república e a primeira de monarca(s) à América do Sul. Como se sabe, a Bélgica é conhecida como a “terra dos sabores irresistíveis” por causa de sua batata frita, cerveja, chocolate, waffle etc., além de também ser lembrada por ser o país que mais concentra autores premiados em HQs (história em quadrinhos) e o maior número de castelos conservados por quilômetro quadrado (mais de 3.000 ao total).

Mapa da Bélgica: Brasil Escola

Em nossa viagem, Amsterdã foi apenas uma rápida passagem, com voo direto partindo de Fortaleza que durou quase 10 horas; imediatamente seguimos para a Bélgica de trem, numa viagem de 4 horas. No país de Padre Caetano, ficamos hospedados por quase cinco dias no grande bairro Saint-Josse-ten-Noode, ele onde cresceu, estudou e viveu até o fim da Guerra e ingresso no mosteiro de Orval (1946). Através de uma nota do falecimento de sua avó materna, Sra. Marie (Mariette) Louise Ciamberlani (1861-1945), fomos até ao número 60 da rua du Mathieu, onde ela residiu. Embora não saibamos do local onde ele morou com os pais e a irmã na capital, sentimos estar muito próximos. Aproveitando a oportunidade, visitamos as duas unidades da escola onde o mesmo estudou, o Institut Saint-Louis (Rua de Verviers e Boulevard Botanique), onde se realizou sua crisma em 11 de junho de 1936, além da igreja paroquial São José, onde frequentava com a família.

Casa da avó materna, ao centro, porta marrom. Foto: Evaldo Amaro
Igreja São José e Instituto São Luis (Rua de Verviers e Boulevard Botanique). Foto: Narcélio Lima

Dos dias 05 a 16 de julho ficamos hospedados na casa do amigo Thierry Tinlot, em Ruisbroek, que fica a 22 minutos de Bruxelas por trem. Nesse período visitamos Nederokkerzeel, cidade natal do Padre, situada a 20 minutos do aeroporto de Bruxelas, onde está a igreja de seu batismo (Igreja Paroquial Sint-Stephanus), datada de 1723, além de outros pontos turísticos da capital, como a famosa catedral dos santos Miguel e Gúdula, outras igrejas, o monumento “Atomium”, a romântica cidade de Brugge, Louvain etc. Podemos dizer que o ponto culminante nessa primeira parte da viagem foi a visita à igreja de Nederokkerzeel, pois já que para esses quatro peregrinos que conheceram Padre Caetano de perto, foi impactante a simbologia do lugar e a dimensão sagrada que ela reporta.

Sint-Stephanuskerk (Igreja de Santo Estêvão). Foto: Narcélio Lima
Fonte batismal e batistério da igreja. Foto: Narcélio Lima

Também visitamos o Colégio para a América Latina (COPAL), um anexo da Universidade Católica de Louvaina sediado na cidade de Louvain (ou Leuven, no flamengo), onde os padres Gaëtan (Georges, no religioso) e Norbert Gorrissen se prepararam para vir ao Brasil em um intensivo de português de agosto a dezembro de 1967. O referido Colégio, fundado a pedido do Papa Pio XII, tem como objetivo prestar ajuda na formação missionária de países pobres, nesse caso, os da América Latina. A Universidade de Louvaina já possuía boa relação com o Brasil, dedicando título honoris causa a Dom Helder Câmara, Dom Eugênio Salles e Aloísio Lorscheider, através dos quais os padres Gaëtan e Norbert puderam se instalar no nordeste brasileiro.

Paróquia ortodoxa de São Mateus Apóstolo e COPAL Foto: Evaldo Amaro

FRANÇA

Também fizemos uma rápida visita à pequena comuna de Pellevoisin, no centro da França, de 16 a 18 de julho, onde reside o Padre Éric Le Grelle, do Instituto Irmãos de São João; ele é sobrinho-neto de Padre Caetano, que carinhosamente nos acolheu. Ficamos encantados com o trabalho que ele coordena em nome de sua comunidade religiosa na “Associação São João Esperança”, que acolhe jovens dependentes químicos do sexo masculino. O mesmo também ficou muito surpreso ao tomar conhecimento da amplitude do trabalho religioso e social do seu tio no Brasil. Ficamos hospedados no Centro de Peregrinação do Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia, ao lado do lugar onde se acredita que a Virgem Maria apareceu 15 vezes a Estelle Faguette em 1876. Passamos alguns momentos na Associação São João Esperança e convivemos com os jovens que lá residem (um deles conheceu Minas Gerais e falou algumas frases em português), acompanhamos um pouco da rotina do Pe. Éric, que já expressou vivamente seu desejo de um dia conhecer o legado do tio no Brasil. Abaixo, uma mensagem deixada por ele nas comemorações dos 40 anos do Instituto Nova Jerusalém (Fortaleza):

ORVAL

A viagem foi coroada pela nossa tão esperada estada no mosteiro cisterciense (trapista) de Orval, localizado a 180 km de Bruxelas, no sul do país, fronteira com a França e na proximidade com Luxemburgo. A instituição localiza-se numa pequena cidade isolada, Florenville, e precisamos apanhar dois trens. Ao chegarmos na cidade, notamos que não havia táxi (e nem movimento de pessoas), ainda mais se tratando do período de férias. Fomos a pé por mais de meia hora e felizmente encontramos um hotel no centro da localidade, onde passamos a noite, pois não queríamos incomodar os monges pelo nosso retardo. No dia seguinte, uma funcionária dali se ofereceu para nos deixar no mosteiro, que fica a apenas 10 minutos do hotel. Em geral, os belgas são bem receptivos e compreensíveis com turistas, pelo menos foi o que vivenciamos.

Com o então abade, Dom Lode van Hecke, hoje bispo da cidade de Gand

Fomos gentilmente acolhidos pelo Padre Bernard-Joseph, com quem já vínhamos nos comunicando há um tempo por e-mails. Ele era então responsável pela hospedaria do mosteiro, e ficou muito empolgado com nossa visita, muito inteligente e humorado. O então abade, Dom Lode van Hecke, não agiu diferente. Inclusive, nos convidou para conhecer as dependências internas e a clausura dos monges (lugar restrito e acessível apenas com permissão do abade), dispôs um monge para nos deixar de carro na estação da cidade vizinha (Libramont), além de patrocinar as passagens de volta à capital. Para nossa surpresa, conhecemos Marinalva, cozinheira e costureira do mosteiro, natural de Recife/ PE, que é casada com Ghislain, funcionário da famosa cervejaria trapista de Orval, conhecida mundialmente.

Narcélio, Evaldo, Lúcia, Mila e Marinalva

CONSIDERAÇÕES

Foi uma viagem um certo “avexada”, cheia de altos e baixos, tanto por questões materiais quanto culturais, não dominávamos bem a língua, não tínhamos muitos conhecidos e nenhum de nós havia ido lá alguma vez, mas podemos dizer, com certeza, que faríamos tudo novamente. Aprendemos muito, e diga-se de passagem, aprendemos muita coisa sozinhos, com poucos recursos, realmente fomos como peregrinos, no desejo de pisar e experimentar os mesmos lugares importantes na vida do querido Padre Caetano.

Ainda não conseguimos visitar alguns lugares muito simbólicos na biografia do Padre, como o primeiro colégio que estudou em Bruxelas, dirigido pelas irmãs Filhas da Sabedoria (Filles de la Sagesse), a comuna (bairro) de Vliermaalroot, na cidade de Cortessem, aonde morou com os pais durante a Guerra, e o colégio Saint-Hadelin, na vizinha cidade de Visé, onde ia semanalmente de bicicleta com a irmã Nadine, independentemente do clima (35 km). Mas acreditamos concretizar a visita numa próxima oportunidade.

 

Casa da família Minette de Tillesse em Vliermaalroot, Cortessem. Arquivo pessoal

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